segunda-feira

07 de novembro - data de aniversário de Cecília Meireles

CECÍLIA MEIRELES

Ah, Cecília:
tu divina,
ariana aeronauta
e eu terráqueo,
cavaleiro lemuriano!
- “Libérrima e exata”[1]
flamejas em Bandeira!

Depois de vencida
minha passagem
aqui na terra,
espero alcançar
da tua alma a luz,
que ultrapassa o mar,
a primavera, o silêncio
e quase o infinito.

Ah, Cecília:
tu divina,
ariana aeronauta
e eu terráqueo,
cavaleiro lemuriano!

Não encontro
na face do mundo
porta mais larga
que teus olhos...
E o mar com tantos mistérios
torna-se exíguo,
diante dos Noturnos da Holanda.

Ah, Cecília:
tu divina,
ariana aeronauta
e eu terráqueo,
cavaleiro lemuriano!
Em bruma esculpida,
sem aresta,
revolta ou cascão...
Ensina-me
o exercício do desprendimento,
pois , como vês,
sou cavaleiro,
preso ao chão.

Ah, Cecília:
tu divina,
ariana aeronauta
e eu terráqueo,
cavaleiro lemuriano!

Guardo
o secreto segredo
de um dia te encontrar:
se permitir
a tua compaixão
em me esperar,
sem avançar.

Ah, Cecília:
tu divina,
ariana aeronauta
e eu terráqueo,
cavaleiro lemuriano:
aprisionado e impreciso.


[1] Do poema Improviso de Manuel Bandeira a Cecília  Meireles

sábado

Les Nuit d´été

As flores nascem e morrem no caminho da primavera
e o teu silêncio borda no tempo, de grão em grão,
o castelo de quem espera.

Com rosa, cravo e girassol tapo os poros da agonia
e amando te imploro: sê breve na decisão!

Queria ouvir Les nuits d´été
e não deixar as lágrimas molharem o crepúsculo...

As folhas que o outono leva consolam meus olhos mandazes
mas o tempo vai despindo a ilusão, triste memória, em cartazes.

Velho Companheiro

Velho companheiro mar,
aos teus pés confesso:
aquela paixão continua viva,
na minha vida, nos meus versos.

Tentei seguir teus conselhos,
mas me perdi na ilusão:
as esquinas sou eu mesmo
e a fuga é um caminho vão.

Dilui a minha tristeza!
Leva-me nas águas vazantes,
pois o silêncio me corrói,
a cada minuto, a cada instante.

Teus ouvidos me confortam
e de ti sei muito mais;
menos do meu coração
preso a um pássaro fugaz.

Colar de Mistérios

Areias difusas na escuridão
modelavam-se no brilho do passado.
O tempo flechava as lembranças
num colar de mistérios:
O tempo fiava e diante do mesmo infinito
as memórias  constelavam-se,
animadas pelos ventos...
Era a vida presa ao silêncio,
ao vácuo, difusa na ausência...
Nem o barulho dos ônibus
dissipam os acordes atonais,as ondas desafinadas,
 as sincopadas areias e um coração batendo em contratempo.

Poema de Água

A tristeza vem difusa nos pingos de chuva
e os selos e trombetas dançam na noite adormecida.
Nas águas vivas deitei meus pensamentos,
e nas terras errantes das lembranças e memórias sem fronteiras
deixei o lírio: concha da minha aurora.

Das retinas calejadas, as lágrimas flecham sorrisos,
Em mim, as águas em fuga lavam o coração:
o barro vira areia, o gelo se dissolve e
os sonhos florescem ,germinados no arrebol...

segunda-feira

O mar dentro da lua

Era um dia despindo-se do ocaso,
em absinto tragado, sem doesto,
seguindo o alvedrio dos justos.

Era o mar dentro da lua,
e dentro da noite o meu silêncio,
escutando os conselhos dos ventos...
Era o mar na escuridão,
retumbando nas areias debulhadas,
a memória das vozes lunares:
um horizonte adormecido,
em meu coração sub-locado,
nas ondas encontrava domicílio;
e as estrelas entristecidas,
em minhas veias afogadas,
constelavam-se em novo olhar.

Era o mar no infinito,
sem nuvens oblíquas e vultos distantes
- Era a vida dentro do mar!
E na revolução do tempo
um coração renascia das sombras,
da neve, da elegia, do silêncio...
Era o mar dentro da lua
tragando na escuridão um grito:
uma voz no infinito amanhecendo,
desvelando o segredo das monções,
o mistério de seu grande círculo:
inverte, no desencanto, a direção dos ventos!
Era a vida me confessando
que o mar presente nela
era o reflexo da minha esperança.
Lua, concha da minha aurora,
mergulha nas águas, nas brancas espumas
a face vazia da minha imagem,
Cobrindo este amanho de lágrimas
com a túnica dos girassóis,
no transe de um monge dervixe.
Nélio Silvério
III Recital de Poesia, 25 de agosto de 2011.

Espiral

A água na terra
A terra na folha
A folha no bicho
O bicho no homem
O homem no espírito
O espírito no amor
O amor na vida
A vida na esperança
A esperança na liberdade
A liberdade no perdão
O perdão na caridade
A caridade na compaixão
A compaixão no amor
O amor no infinito
O infinito na fonte
A fonte na água
A água na terra
A Terra no amor
O amor no coração
O coração na flor.

Frondosas Guerreiras

Nada mais fiel
ao mestre Anísio Teixeira:
as mangas, as mangueiras!

Guardiães de um segredo confiado:
Educação não é privilegio,
nem moeda, nem mercado.

Imagem não perdida
da aurora rompendo a casca
em broto, em fruto, em sementes...

Nos dias de eclipse,
entre mim e a educação,
abraço as verdes guerreiras
e uma Grande Luz fala ao meu
coração.