segunda-feira

Heféstion


Heféstion
                                                                      
Debaixo da tua candura,
esconde-se uma fonte de desejo milenar,
mas nem de longe eu vejo,
por onde a minha sede eu posso  matar...
Não sou grande como Alexandre,
mas pensei na grande conquista:
nossos corpos devorando um pomar,
com manhãs de Apolo, noites de Baco
e  madrugas de um Fauno,
com  sua flauta a tocar...
II
Honestas são as sereias
que seduzem e levam para o fundo do mar.
Você, ao contrário enfeitiça, para depois abandonar!
E saborear como  salgada delícia
as lágrimas de quem pensou  que podia  te amar...
Mire-me em Heféstion,
convertido  ao seu amado, tão grande:
"Não te preocupes rainha mãe, não cometeste erro nenhum.
 Ele também é Alexandre".
Salvador, 02 de outubro de 2011

Antônio Conselheiro


Antônio dos Mares

O Rabudo noticiou:
Infesta um aventureiro que se apelida por Antonio dos Mares!
....A cabeça degolada não ceifou um  destino, mas caiu nas mãos de um menino, que por louco o diagnosticou...
A pena de Nina Rodrigues encerrava o que Deus só começou...
Ah, que horror!!!! Antônio Conselheiro, extraterrestre, um estrangeiro, transpassado pela cruz e pela espada, renascido pela dor.
Pisciano, na carta da morte: 13, no Tarô!
Vem de longe seu mistério esquisito: um fracassado a guiar desvalidos!
E vem de longe a triste república nascida do grito de  um homem só!
Brasilis: crepúsculo da desigualdade moral, social, au au, miau! Que dó!
Fraternidade alheia, canto de sereia...Uns baleias, outros piabas na areia!!!!!

Tão cedo, Conselheiro, perdestes a tua mãe
e tua amada, pelo adultério, maculou teu orgulho viril:
mas todo homem , um dia, encontra  sua   Eva pelo caminho...
O lótus nasce da lama e de um homem mufino
nascia o peregrino, vestido de mar, cercado de colinas...

Triste Conselheiro também foi professor,
advogado e aventureiro sob as ordens do Senhor!
Ah, Cosme de Farias! Já não há mais homens que sejam o mesmo de noite e de dia!


Jesus foi para o deserto preparar-se para a traição
e os Canários eram urubus vigiando a guarnição...
Pacto  com os republicanos: revoada de poeira, terra seca, sangue e destruição...
Conselheiro não tinha nada, mas ofertava a  sua vida em oblação!
Quem tem sede pede água e  quem tem fome pede pão!
E a manhã  alvissareira ainda  não saiu do ventre da nossa nação:
Canudos não se rendeu,  a igreja e o cemitério estão em emersão,
mas hoje nós temos conselheristas, que já não põem a sua vida
a serviço de uma  grande missão.
E a miséria permanece, uma eterna ferida,
na cruel desigualdade da unidade partida.

E sob as águas, no cemitério,
a alma de  Antônio Conselheiro
se veste de carpideira e murmura:

Vem de longe a tristeza esculpida nos teus olhos
e  a melancolia é a ausência de si em ti...
A barragem foi posta no rio e vazio andas a caminhar...
Teu desejo permanece aquartelado,
pois estás sempre a olhar de lado,
buscando réstias e cantos de sabiá...
Mas o tempo só volta na memória fria
e a tua primeira face não se refrata nos espelhos
do que te quiseram, ou fizeram,
ou  você deixou levar...

Olhos para os teus olhos
e vejo   desejos silenciados pela diplomacia,
que nos permite viver,
mas  às vezes, cobertos de neve fria!
E o clarão que descortina as manhãs,
adormece no teu sorriso,
quase um bosque, em fim de estação.

Os ventos lhe mostram o Norte
mas o medo lhe conduz para o Sul;
As flores se vestem de arco-íris,
mas você só gosta de azul...

Um açude pode cobrir uma cidade,
mas não apaga a dignidade
daqueles que pela vida continuam a lutar!

E dentro das tuas águas represadas,
ainda se vê fontes encantadas
e  tesouros eu sei  há!

Salvador, 15 de fevereiro de 2012


terça-feira

À querida Mãe Tieta, do Terreiro Casa Branca

Mãe Tieta

Ayrá me conduziu aos braços de Yemanjá
 e  o amor estava ali: ele era o mar...
Mar personificado na dedicação,
na devoção profunda de quem sabe servir
e tua vida se alonga sob as mãos de Olorun,
 que lhe concede  esta divina graça:
fazer 80 anos na Festa do Rei, o dono da caça.
-  Oxossi, Nosso Patriarca !
Alegria sinto em meu peito por tamanha gratidão,
pelo tempo devotado aos filhos da mais antiga nação.
Tua voz  acorda as estrelas e teu riso é doce luar...
E eu sempre agradeço a Deus, por ti encontrar.
 Mãe Grande de todos os filhos!
Sou tão pequenino diante do teu infinito olhar,
espelho da  verdadeira humildade,
 que precisamos aprender em nosso verdadeiro caminhar.





quarta-feira

Dia da Poesia, 14 de março! Viva Castro Alves!

Ecdise

Encosto o meu ouvido na terra e escuto o diálogo subterrâneo:

Órfãs de mãe já nascemos e por Deus feitas, sem asa,
 mas nós  sabemos que somos ,que somos cigarras!
Por longos fios de seda, mergulhamos na terra viva,
fazendo nela morada, na maior parte  nossa vida...

Ah, ninfas da noite constante e de seiva se alimentando,
que despem-se na espera da roupa alada, como imberbe viajante.
Imagino o tudo que passa neste mundo rotundo e velado:
fina  gastromonia, aula de canto e talvez bailado...
Tudo isso me deixa silente e com os olhos marejados
 por  lembrar das moradoras do abacateiro,
 quando meus pés mediam menos que um palmo.

O que faz  um ser viver,  por tanto  tempo  exilado,
no silêncio da alcova, quase um círculo preso num quadrado?

Ouvi um barulho na terra!

-Nós temos um canto guardado!
Sairemos, em breve, por um túnel, a cumprir nosso desiderato,
deixando o esqueleto  grudado, abrindo o  peito de aço,
na mais lancinante canção : a  busca da parte companheira,                         
que não dura a vida inteira e morre depois da ovulação.

Infinito é nosso canto, sempre barítono ou tenor.
Enganam-se conosco, pois não morremos como cantor.
Dizem que trazemos chuva, que nosso canto é canto de dor...
Se nos levam a primavera, isso é confirmado.
Mas quem é feliz com um traidor?

E eu me pergunto as razões de tão potente grito,  
e só uma resposta há, no final, e que me deixa aflito:
urgência da vida, que não espera, não se repete  e segue  sem fim...
E eu que moro há tanto tempo dentro de mim,
submerso nas crostas da ambivalência,  das incertezas, construções, das
alegrias e  tristezas, dos feitos e desfeitos...Vou rompendo o chão, na
ecdise que faço a cada dia, extraindo o meu alimento da poesia, húmus
da vida, remédio para tantas feridas...

Sou uma cigarra desigual, canto o tempo todo e copulo com a aurora
gerando  sementes  para florir o  equinócio de um centurião...
Sim, meio século já vivi e não posso ficar aqui: a vida, a vida segue sem fim...

Ainda na Terra, sou ovo de estrela distante, chocado por uma noite constante, rompida na luz de cada manhã...
Subo e desço por fios de seda, despindo-me e vestindo-me,
por  seiva alimentado, mas não passo por longo tempo, calado:
meu coração é um túnel para o mundo iluminado!


domingo

Aprendizes do Mar

Ainda guardo um pouco da alegria vestida de vento,
no balanço  lento , de um dia que não se vai....
Imersos num tempo sem rupturas,
com palavras nascidas da fonte inconsútil
que unem  gota de mar  e outra de orvalho.

Éramos faces desconhecidas,
banhadas pela brisa dos hemisférios,
a caminhar pelo arquipélago da poesia,
sem mão dupla  e sem curvas.

Mas nossas luas crescem ao avesso
e por isso, os peixes rezavam um Terço,
para  não nos  esquecermos
daquilo  que nos  fez reencontrar:

Sermos aprendizes do mar!

E  nossas vozes eram memória do  Lácio
e alargavam o corpo das metáforas
molhadas e salgadas, animadas pelo vento,
pelo tempo, pela canção...
Ondas de versos bárbaros, livres,
brancos e matizados...
Tudo era uma tarde, que trazia a manhã
e as estrelas de uma noite de verão...
As estrofes eram nascentes, olhos d’agua,
descrevendo arco-íris por nossas mãos...
E eu diante da poesia, que mais uma vez  renascia,
depois de tantas dúzias de primavera.

E os peixes para nós diziam:
a baixa das águas ensina o caminho do desapego;
a plenitude das marés, a potência das virtudes;
o silêncio do mar é a voz do infinito;
e as correntezas são os ciclos concêntricos,
na imensidão exígua de quem nasce e morre.

E logo pensei no Manfred amigo,
em sua noite ferida;
distante das águas, do mar...
No silêncio da vida...
Sinto suas lágrimas sofridas,
que molham a fantasia de mendigo,
revivendo o  retorno de Ulisses,
na conquista do seu reino!


E  os  peixes concluíram a lição:
passam os homens, permanecem as ondas;
nascem feridas, dançam as espumas...
E as  palavras   se vestem de arrebol,
sempre estreando  no coração da vida,
pois há  homens que traduzem palavras,
outros há,  que revelam a alma
de quem ama e vive o intraduzível.


Salvador, 28 de janeiro de 2012